sexta-feira, 6 de julho de 2012

~ Capítulo 1 ~ O Chapéu


Num dia comum, chegou naquela vila um visitante inesperado. Todos ficaram apreensivos, ninguém nunca o tinha visto por aquelas bandas antes, pois certamente se lembrariam, afinal ele tinha uma peculiaridade: era um chapéu.

Não se via mais nada a não ser aquele chapéu e claro, uma pequena maleta. Um chapéu sem cabeça, chamavam os moradores. Se dirigiu a uma pequena pousada sob o olhar de todos e ao entrar, surpreendeu a dona. O chapéu curvou-se no ar, fazendo o que seria um aceno e a dona do local retribuiu, ainda que sem saber bem a quem ou o quê. Novamente o chapéu curvou-se, abriu a maleta e retirou um pequeno papel, uma carta pra ser mais exato. Era uma carta de recomendação e
a dona leu, hora levando as mãos aos lábios, hora tendo pequenos sobressaltos, mas por fim, entregou a chave de um dos quartos ao seu mais novo hóspede.

Os dias se passaram e aos poucos a vila foi se acostumando ao seu novo morador, que aliás, tinha hábitos um tanto misteriosos, não se misturava muito com os outros. Saia bem cedo para uma caminhada e sempre que passava por algum dos habitantes, fazia aquela inclinação que era entendida como aceno e que era retribuída, no começo com desconfiança, mas depois com naturalidade.
Quatro meses já tinham se passado quando em uma noite quente de verão,  Antônio, Sílvio e Martinho conversavam animadamente no bar e de repente, o chapéu entrou. Todos olharam, um pouco admirados, sabiam que o chapéu quase nunca era visto à noite e ainda mais aquela hora, tão tarde, quando ele só era, por assim dizer, visto, na janela acesa do seu quarto da pensão até avançadas horas da madrugada. Ninguém nunca soube o que ele fazia acordado até tão tarde, foi o que me contou a dona da pensão.

O que aconteceu foi que depois de beber um bocado, os três amigos já gargalhavam e se divertiam e numa cadeira ao lado, o chapéu pairava, fazendo movimentos que os três interpretavam como se ele estivesse concordando e rindo. Ou algo do tipo. Porém com o álcool  comandando seus movimentos, Martinho em meio a risadas, pegou o chapéu e colocou na própria cabeça. O que aconteceu daí em diante é complicado de relatar. Alguns dizem que ele caiu no chão com uma tremedeira sem fim. Outros dizem que ele ficou calado, mudo, sem expressão no rosto, como se estivesse concentrado
em pesados pensamentos, o suor pingando do seu rosto, mas ainda imóvel. Porém todos concordam que depois de alguns minutos, como se tivesse levado um grande choque, Martinho caiu de costas no chão de um lado e o chapéu do outro.
Ele tinha os olhos arregalados, como se tivesse visto a mais medonha das assombrações. O chapéu se mexia, parecia tentar se equilibrar. Colocaram Martinho de pé com certa dificuldade e depois olharam para o chapéu que já se encontrava perto da porta, parado, virado para eles, como se os observasse, para logo em seguida, sumir pela porta no meio da noite.

Nos dias que se seguiram, o assunto só foi tratado à boca-miúda, os envolvidos não queriam falar sobre o que tinha acontecido, principalmente o Martinho, que ficou febril e andava com uma feição carregada de preocupação, parecia ter envelhecido anos e anos em poucos dias. Quanto ao chapéu, se antes pouco era visto, agora quase nunca saia do seu quarto na pensão e só podia ser pelo apagar e acender de luzes da sua janela.

Uma semana, duas, e Martinho já parecia melhor, mas evitava tocar no assunto e todos respeitavam. Se viam o chapéu, já não mais cumprimentavam, só baixavam a cabeça e seguiam com passos rápidos. O tempo resolve tudo ou quase tudo. Sílvio e Antônio estavam no bar esperando seu companheiro, quando Lucila, a filha de Martinho, entrou correndo no bar, soluçando e pedindo por ajuda. Seu pai havia sumido, desaparecido no ar. Correram para a casa do amigo e chegando
 lá, não encontraram nem sequer suas botas na soleira da porta. Todos escutaram um grito. Vinha de uma pequena ravina na saída da vila. Era lua nova, mas a noite estava estranhamente clara e de longe era possível avistar alguém parado, segurando um objeto na mão. Correram mais rápido e todos começaram a se senti mais aliviados ao perceber que era Martinho no alto da ravina. Ele estava de costas e segurava uma picareta.

Lucila correu, abraçou seu pai por trás e nem percebeu que sujava seu vestido com toda a terra que tinha sido removida com aquela picareta. Martinho estava imóvel. Mesmo quando Antônio chamou diversas vezes o seu nome, ele não respondeu. Quando enfim se virou, empurrou a menina como se ela fosse qualquer coisa. Martinho tinha os olhos brancos quando pulou em cima de Sílvio, que na tentativa de se defender, deu um forte soco no queixo do seu adversário, que caiu em cima da terra escavada, fazendo o chapéu rolar no chão.

Assim que o chapéu caiu, sua expressão mudou e ele começou a chorar e engatinhar em direção aquele monte de terra. Todos observavam assustados aquela cena. Enquanto Martinho chorava, também cavava a terra com as mãos, chamando por sua esposa, como se pedisse perdão. O chapéu repousava inerte, do lado da picareta.

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